Espelho

Sempre quis ter muita certeza sobre quem eu era ou como deveria ser. Propus jogos, pulos do penhasco, pondo em risco o caminho que já havia percorrido. Tranquei portas, quebrei janelas, nunca achei as respostas, talvez nunca as tenha procurado.

Um tiro no escuro foi tudo que habilmente fiz, e continuarei fazendo, de um jeito mais sorrateiro e menos devastador, a mim e a todos ao redor. Sempre fui cheia de medos, mas nunca me acorrentaram a lugar algum, ou a alguém. Jogo-me ao risco de tudo perder, de a todos perder. Mas nunca ficarei parada.

Muitas vezes jogo-me em um universo paralelo, onde sou invencível, invisível, inviolável. Brinco com a chance de ter tudo ou nada, de ser ninguém. Exijo ter o final que quero, como quero, quando quero, e me torno totalmente responsável pelo que criei... Como tinha de ser. Solto o veneno que me domina, me entorpece e consome, e gosto da ideia de tê-lo. Mato os anjos ou demônios que melhor me convierem. A mim, só a mim. Torno-me metade sádica com uma parcela de masoquismo e desfruto dos minutos em que minha mente está presa em si própria.

Sou uma eterna inconformada com tudo que um dia terei, e tenho. A corda bamba nunca ficará quieta o bastante, nunca haverá equilíbrio o bastante, mas terei prazer em andá-la mesmo assim. Entre muitos arbustos e alguns montes de espinhos, ferir-me-ei com toda a ternura de um ferreiro preparando sua espada. Meu zelo termina onde começa a coragem.

Tenho um gosto peculiar, pode se dizer. Não tenho um apreço enorme pelo bem que posso trazer, mas divirto-me comigo mesmo assim. E isso basta.

Não é?

- Rita Marcelino