quinta-feira, 22 de julho de 2010

À meia-noite

- Paixão não rima com amor, talvez pelo fato de não serem a mesma coisa. Não se esqueça disso, Sophie, jamais. –
Uma voz doce demais para ser tão dura. Como poderia explicar? Marcus tinha a doçura de um anjo, mas a frieza daqueles que já viveram demais. Seus cabelos cacheados, sempre tão bem cuidados, lembrando um jeito vitoriano de se arrumar. Um porte ereto, formal, quase indecente para época em que estávamos. E os olhos, aaah, os olhos. Que olhos eram aqueles! Tão profundos e calmos, me contavam a história da sua vida. Ou melhor, mostravam-me o bastante para não me entregar demais.
- A paixão, minha ninfa, é fugaz... Tão perigosa quanto uma faca pode ser. Tudo se torna uma questão de escolha. Qual lado da faca você quer? – sorri para mim; um sorriso de escárnio, mas inda assim, tão belo. – Acho que você não entendeu onde quero chegar, mas como deveria? És por demais humana, uma falha boba, porém letal. –
“Beija-me! Beija-me!” É tudo que consigo pensar. O tempo parece entender e por segundos acreditei estar ouvindo uma melodia ao fundo, colaborando com todos os meus desejos de voar.
- Ah, mas é tudo tão engraçado. Estou eu aqui, sentado, em plena madrugada, lhe dando uma escolha que você não consegue ver. A paixão é capaz de levar a loucuras, minha bela, é onde queres ir? – Seus olhos mexiam com meus sentidos, com minha alma. Tentei falar, gritar, mas a melodia inebriava meus poros, entupindo-os, alargando-os. Meu coração dava-me choques elétricos. “NÃO! DIGA NÃO!”.
- Se lhe proponho a vida e a juventude eterna, dirás sim, eu creio. Se lhe digo que terás poder sobre qualquer outro, dirás, outra vez, sim. Mas o que dirás, minha linda flor, se lhe proponho o inferno sobre a terra, mascarado por paixões coléricas, e um prazer irremediável pela dor? – Outra vez aquele sorriso. Outra vez sinto-me tonta com o mundo girando em volta. O cheiro de incenso pairava no ar, e antes de perder os sentidos, ouvi-me dizer:
- Eu lhe diria sim. Sim. –

(...)

- Rita Marcelino